não consigo mais escrever, mas vou tentar

Maria Tereza
3 min readApr 18, 2021

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lá vai eu reclamar de mais uma coisa da pandemia.

a escrita é uma das coisas mais importantes da minha vida. desde que eu aprendi a escrever, essa é a forma que encontrei de me expressar e pôr pra fora o que sinto e acredito. sim, eu amo conversar com quem me faz sentir confortável pra tagarelar, mas escrever ainda é o jeito com o qual sei que estou sendo melhor compreendida.

aí chegou a pandemia pra matar o pouco de criatividade que me restava.

meu processo da escrita demanda passar por experiências, conversar com gente e consumir coisas que me inspiram para conseguir pôr tudo pra fora. acontece que na quarentena a gente só fica dentro de casa, o meu trabalho é usar o computador dentro do quarto e o máximo que eu tenho feito fora desse tempo é assistir bobajada na tv. mal consegui encostar em um livro ou ver algo mais ~cabeça nos streamings porque meu cérebro decidiu que não processa absolutamente mais nenhuma informação além daquelas que tenho me esforçado para processar no trabalho e não ser demitida.

acho que nem seria tão ruim se eu não estivesse sentindo coisas. e meu Deus do céu, se tem uma coisa que fiz nessa pandemia foi sentir. e sei que não sou a única. sinto medo, tristeza, saudade, raiva quase que diariamente. mas também tive momentos de alegria. foram poucos, mas ainda bem que existiram.

ao longo desses mais de doze meses aconteceu de tudo. eu me formei no curso dos meus sonhos. tirei dez no TCC. produzi, roteirizei e editei diversos podcasts. escrevi matérias. escrevi notas. escrevi releases. escrevi posts pras redes sociais. virei MEI. pintei o cabelo de rosa no salão. retoquei sozinha em casa. fiz tranças depois de mais de 15 anos. vi o são paulo ter chance de ganhar dois campeonatos importantes. vi o são paulo perder os dois. peguei covid. me curei em casa. tive medo de perder meu pai pra covid. senti o alívio de vê-lo receber alta. fiz comida que ficou boa. fiz comida que ficou ruim, chorei porque o prime dog não entrega na minha casa. comi uma coisa que eu não devia ter comido. peguei meu diploma. senti saudade de abraço. senti saudade de toque. senti saudade de cafuné. tive crise de ansiedade. tive crise de fé. quase tive crise de pânico. dei remédio pras minhas gatas sozinha sem me machucar. resolvi 32 mil problemas de adulto. comecei a ver futebol europeu. comecei a gostar de futebol europeu. comecei a torcer pro everton. comprei uma camisa do everton. escutei taylor swift. meu Deus, escutei MUITO taylor swift. chorei ouvindo fresno. consegui freelas que amei. larguei um freela que odiei. emiti minha primeira nota fiscal. senti raiva do presidente. senti raiva do governador. senti raiva em geral. me despedi pessoalmente da PUC. ganhei um monte de livro e HQ. ganhei um quadro do pantera negra. fui no correio. fui no banco. fui no dentista. fui no mercado. comprei uma bota. comprei uma cadeira. comprei um umidificador. vendi meus livros. tirei um monte de foto que não postei. comemorei meu aniversário de 25 anos só com minha mãe e meu irmão.

fiz outras coisas cujas quais não lembro ou não valem a pena ser citadas também. e não consegui escrever um mísero texto sobre absolutamente nada disso.

essa é uma situação inédita na minha vida. nem na época do cursinho, em que eu ia trabalhar dormindo em pé no ônibus de tanto cansaço por só estudar no tempo livre, eu fiquei sem escrever alguma coisa. e essa não é só a forma de pôr pra fora o que eu sinto, mas de entender isso também.

a minha impressão é de que desde março de 2020 eu tô sempre cheia de um monte de coisa aqui dentro e o peso nunca sai. dá uma aliviada quando eu como doce ou converso com algumas pessoas, mas sei que o peso ainda tá aqui.

é desesperador não conseguir escrever. não vejo a hora desse caos acabar e conseguir voltar a fazer textos que não sejam tão ruins quanto esse.

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Maria Tereza

Jornalista formada pela PUC-SP, são paulina e fã do Adam Sandler.